ENTREVISTA COM AUTORES #230 | Autor Tiago Bianchini
É difícil lembrar de um início, mas posso dar créditos para algumas pessoas: meu pai sempre manteve uma estante cheia de livros em casa. Minha tia era professora e sempre me dava livros de presente (eu tinha a coleção “completa” da série vaga-lume), e, na quinta série (hoje, sexto ano), tive a professora Elisabeth, que fazia concursos de redação na sala quase toda semana. Foi aí que percebi que, além de poder ler as histórias dos outros, eu também poderia criar as minhas próprias...
2 - Quais autores ou obras influenciaram seu estilo de escrita?
Bem, você sabe, eu tenho 45 anos e já li muita coisa diferente... Nos meus doze, treze anos, eu adorava Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Olavo Bilac, Fagundes Varela (e, por causa disso, devia ser uma criança muito chata... 😜), e meus primeiros escritos eram com essa pompa toda (e deviam ser mais chatos que eu-criança 😂). Passei por várias fases e acho que algumas características de alguns autores acabaram “colando” em mim: com Jostein Gaarder (O Mundo de Sofia, O Dia do Curinga), eu aprendi que a simplicidade é linda e não deve ser confundida com “má qualidade”; com Asimov e Arthur C. Clarke, me apaixonei pela ficção científica; Com Machado, Douglas Adams e Philip K. Dick, percebi que o humor sempre torna uma história mais leve. Minhas referências são tantas que acho que deveria escrever outro livro pra falar apenas delas...
3 - Como você lida com o bloqueio criativo?
Pode parecer estranho, mas isso é algo que raramente acontece comigo. Eu tenho um método de construção do livro que torna a tarefa de “sentar-e-escrever” algo quase mecânico. Eu só começo a escrever o livro quando tudo já está completamente estruturado – os capítulos, como começam e como terminam, seus nomes, o que acontece com cada personagem, a cada momento do livro, todas as pesquisas necessárias, onde eu tenho que deixar mais lento ou mais rápido, etc. Muitas vezes, alguns bloqueios ocorrem nessa fase de construção, então eu criei uma saída (nem um pouco recomendável, mas, lembre-se: eu sou meio maluco 😜): Eu escrevo de 5 a 10 livros ao mesmo tempo! 😱 Então, sempre vou tendo ideias e vou analisando: “esta ideia cabe nesse livro, essa outra ideia é uma boa pra esse personagem aqui, de outro livro, esse plot eu posso usar em tal história”, etc. Somente quando eu vejo que algum dos “candidatos” já está bem encorpado é que eu realmente monto as pecinhas – e, depois, sento e escrevo em menos de um mês.
4 - Quais desafios você enfrentou durante sua jornada como escritor(a)?
Eu descobri que tenho “dupla excepcionalidade”, ou seja, sou um autista com altas habilidades. Isso me traz uma série de problemas (e não apenas na jornada de escritor): meu nível de exigência costuma ser extremamente alto (por causa das “altas habilidades”) e minha rigidez em deixar esse nível (o “autismo”) completa a catástrofe. Já cheguei a apagar metade de um livro por achar que “estava parecido demais” com uma série. Aliás, tenho um livro já pronto e não publicado, porque, embora todo mundo que tenha lido (inclusive Leitores Críticos e revisores) tenha adorado, ainda acho que “não está como eu quero”...
Mas, se posso citar algo como “vilão”, é: eu não sei vender meus livros! Eu não sei falar deles, não sei chegar aos leitores, não consigo fazer divulgação e convencer ninguém de como o meu livro é bom (e ele é ótimo, pode acreditar... 😁). É por isso que eu acho trabalhos como o seu tão importantes, fundamentais para a vida de qualquer escritor. Nós gostamos de escrever – a maioria de nós não tem talento para vendas, divulgação, publicidade, etc. Imagine, então, eu, com todo o meu autismo... Não dá, né? Vocês, divulgadores e influenciadores são parte essencial do processo (e você, particularmente, é um ótimo exemplo; então, muito obrigado pelo espaço! 🥰)
5 - Você já teve experiências significativas com seus leitores? Alguma história que gostaria de compartilhar?
A maioria das pessoas que termina o meu “Fora do Tempo” me diz: “Estou em choque!” (eu aprendi que isso é uma coisa boa 😜). Duas ou três leitoras me procuraram pra me dar bronca: “Como você não divulga essa maravilha? Isso deveria estar sendo lido por milhares de pessoas!” E elas começaram a “fazer uma campanha”, falando do meu livro para todo mundo... Uma delas entende desse negócio de Instagram, e me ajudou a fazer algumas coisas para postar (as coisas bem-feitas que eu tenho no meu perfil têm o dedinho dela). Teve um leitor que ia me chamando, à medida em que ia lendo, e dizia: “Isso aqui não faz sentido”, “Se aconteceu tal coisa, como é que blá-blá-blá”, “Este personagem é muito assim-assado”. Eu não podia explicar muita coisa, mas, quando ele terminou a leitura, me chamou de volta: “Esqueça tudo o que eu disse. Seu livro é perfeito. Eu não mudaria nada”. 🥹
São essas coisas que nos fazem sentir que estamos no caminho certo. A gente cria amizades com os leitores. Eu sou super acessível e não fico melindrado com críticas (podem criticar à vontade, vou ouvir e tentar aprender para os próximos). É claro que haverá muitas pessoas que não irão gostar das minhas histórias (e tem livro pra todos os gostos), e, talvez, meu livro não tenha essa qualidade toda... mas ficarei feliz se ele fizer sentido para mais leitores, se ele servir de companhia por algum tempo – e se, após lerem e me procurarem, surjam algumas amizades dessa troca...
Mas tenho que contar uma coisa: O primeiro livro que eu escrevi (que sairá ainda esse ano pela editora RHJ) foi aos 16 anos, e contava uma história sobre uma turminha de ginásio (na minha época, o FUND 2 era chamado assim). Nessa história (que fala de bullying, amizades, paquerinhas, etc), eu coloquei diversos amigos reais, e uma garota que era “a mais bonita da escola”. A gente tinha estudado junto só na 8ª série, mas eu achava ela tão legal e linda que quis encaixá-la na turma... É claro, ela era a princesinha de cabelos negros e olhos azuis e sorriso encantador, e eu era o nerd esquisito e cabeludo, então jamais teria uma chance...
Acontece que o livro ficou na minha gaveta (e, depois, em disquetes, CDs e na nuvem) por 22 anos. Foi quando, em 2014, eu decidi que não iria publicá-lo: eu iria fazer um blog e deixar o texto lá para todos lerem de graça (eu ainda não havia pensado em vender a obra e ficar milionário, como todos os escritores fazem 🤣). E, no Facebook, marquei o único amigo daquela época com quem ainda tinha contato.
Só que esse amigo era bem popular, e, no dia seguinte, havia marcado quase todo mundo (dizendo: “Lembram do Tiagão? Olha o livro que ele escreveu sobre a gente!”). E, nesse monte de gente, um sobrenome me chamou a atenção: “Dall’Acqua”. Era ela, a Vanessa, a garota bonita dos olhos azuis... Mas eu não era mais o nerd esquisito (bem, acho que ainda era, mas já conseguia disfarçar...)
Começamos a namorar em 2015. Estamos juntos desde então. Se escrever livros não me der mais nenhum centavo, eu já conquistei tudo o que precisava com as minhas histórias. ❤️
6 - Como é o seu processo de escrita? Você segue uma rotina específica?
Eu sempre gostei de escrever histórias curtas, como crônicas. Nunca havia me aventurado a um livro “de verdade” e sempre achava que meu primeiro livro (escrito aos 16 anos e com 60 páginas) se arrastava, sem conteúdo nem ação (autismo e perfeccionismo, lembra?). Mas queria contar histórias maiores, então criei uma estratégia:
- Após ter a ideia da história, eu sento e imagino que acabei de ler esse livro – e preciso fazer um resumo, para a escola. Então, em uma ou duas páginas, eu explico tudo o que acontece no livro, quem estava certo, quem era o mocinho ou vilão, como cada um termina, e o que eu achei que o livro tentava passar. Pronto: agora eu tenho o resumo do meu livro (que ainda não existe).
- O próximo passo é detalhar mais esse resumo: mostrar por que o carinha fez o que fez lá no 14º capítulo, explicar as motivações, dizer (ou desenhar um gráfico) de como as personalidades se cruzam, como elas se confrontam, qual o melhor momento para esse confronto, etc.
- A partir daí, eu faço um resumo de cada capítulo, como começa e como termina. Nesse ponto, às vezes surgem algumas ideias de diálogos, algumas passagens marcantes; isso também serve para “dar o tom” da narrativa: será mais leve? Mais sombria? Como será o humor?
- Pra me ajudar no processo (juntar as pesquisas, as informações e descrições, os cenários, etc) eu uso um programa chamado Trello (é um app muito usado em escritórios, para gestão de tarefas). Nele, eu vou colocando cartões que podem ser trocados de posição, até chegar no formato que eu quero para o livro.
Ufa! Com tudo isso pronto, sentar e escrever é a parte fácil, e normalmente é feita em poucas semanas, porque passa a ser “seguir a receita”.
7 - Qual é o impacto que você espera que suas obras tenham nos leitores?
Meus livros sempre têm diversas camadas. Muitos leitores gostaram de “Fora do Tempo”, mesmo sem entender nada além da história “principal”, que está na superfície. Quanto mais conhecimento você tem sobre determinados assuntos, mais vai pegando as referências, e a experiência da leitura vai se tornando cada vez mais cheia de insights e frases do tipo “AAAAAH, então é por isso que...”. Nas camadas mais profundas, meus livros possuem metáforas sobre questões psicológicas, sociais, que devem fazer o leitor mais atento refletir sobre o que está lá, na superfície. Então, embora meu livro seja leve e de fácil leitura, ele é muito trabalhado e complexo, cheio de significados ocultos... Quanto maior for o conhecimento prévio do leitor (a sua vivência, suas experiências anteriores sobre várias coisas), mais ele vai poder se aprofundar. Assim, meu livro pode causar determinado impacto em um leitor de 20 anos e, quando este mesmo leitor tiver nos seus 40 anos, poderá ler e ter uma leitura completamente diferente.
8 - Quais são seus planos para o futuro? Você está trabalhando em algum novo projeto?
“Algum projeto”? 🤣🤣 Eu tenho 8 livros em andamento – dentre os quais, uma trilogia que já tem seu primeiro volume pronto (mas ainda não publicado) e o segundo volume no finalzinho (pretendo terminar este mês). As ideias vão brotando, e a gente vai colocando nas caixinhas certas... vem mais livros por aí! 😊
Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores?
Quero deixar muitos recados, tanto para leitores quanto para escritores...
Primeiro: se você, leitor, tem uma ideia de uma história, escreva! Há uma personagem minha que diz: “O mundo é GI-GAN-TES-CO”. Sempre haverá um leitor para o qual a sua história é simplesmente perfeita. Sempre haverá aquela pessoa que precisava ler o que você tem em mente (encontrar essas pessoas já é outra história, mas, felizmente, podemos contar com anjos que fazem divulgação, não é, Aline? 😊)
Segundo, se você é escritor, acostume-se: nem todo mundo vai gostar do seu livro. Muitos não vão entendê-lo (e talvez a culpa possa ser sua, então não critique seus leitores por isso). Muitos estarão esperando algo maior do que seu livro pode entregar (seja por resenhas muito bem feitas que aumentam a expectativa, sejam por esperarem encontrar, ali, ideias que eles próprios possuem). Seu leitor não está errado; ele pode simplesmente não estar no clima para apreciar seu livro. Não leve para o coração (e isso serve para impressões de leitores-beta, revisores, leitores críticos, etc).
E, por fim: incentivem seus filhos, irmãos mais novos, as crianças da escola da sua rua... Vamos ler mais! Eu trabalho levando livros infantis nas escolas, e é impressionante como tem criança que nunca pegou um livro nas mãos... Vocês não imaginam como os rostinhos deles se iluminam quando veem o papel, sentem sua textura e cheiro, percebem cores e linhas que não conseguiriam perceber no celular!... A criança que tem contato com o mundo mágico dos livros jamais voltará para a velha casca novamente. Incentivem. Deem o exemplo. Leiam livros (de preferência, físicos) na frente dos pequenos. Essa é a futura geração do nosso país, e torná-la melhor também depende de nós.
Sobre sua(s) obra(s):
Sinopse: Imagine que você vive a vida que qualquer um poderia querer: é um ex-astro do rock, que fez fortuna com tecnologias revolucionárias e está prestes a fazer "o negócio do século" com uma multinacional...
Mas, de repente, aquela vida perfeita que você planejou para si mesmo começa a desmoronar. Pessoas suspeitas irão fazer de tudo para roubar o grande invento que você criou. Mas... e se você pudesse passar a perna no tempo, dar uma voltinha no futuro e descobrir como essa história acaba?
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Sobre o(a) autor(a):
Tiago Bianchini é paulista de São Caetano do Sul e tem 45 anos. Começou a ler muito cedo, aproveitando as estantes de livros que tinha em casa, e não parou mais. Passou por diversas fases de leitura e escrita - poesia, crônicas, contos de terror - até pousar nos galhos da ficção científica, que reúne tudo o que ele mais gosta: literatura, ciência, estudos...
Já foi funcionário público, desenvolvedor de TI e até maquinista de trem (!). Hoje, trabalha como representante do grupo editorial RHJ, apresentando livros infantis para as escolas de todo o Estado de São Paulo.
Durante sua vida, aprendeu a usar o humor, a ironia e o sarcasmo para combater algo que ele só foi descobrir recentemente: o autismo. E a mistura de autismo, humor e ficção científica tem dado bons frutos...
Beijos!
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