ENTREVISTA COM AUTORES #104 | Autor Fabio Shiva

by - quarta-feira, dezembro 09, 2020


1 - Como você percebeu que queria ser escritor?
Tenho muito clara a lembrança do momento exato em que decidi que queria ser escritor. Eu estava com 11 anos e contemplava minha pequena e recém iniciada coleção de livros: alguns exemplares de Agatha Christie e José de Alencar, em proporções iguais, além de episódios das séries de Sherlock Holmes e Perry Rhodan, publicadas pela Ediouro. Senti nesse momento uma alegria muito intensa, e descobri que para mim não seria suficiente participar daquela magia dos livros apenas como leitor: eu desejava me tornar um aprendiz de feiticeiro e escrever também minhas próprias histórias.
 
2 - Tem algum personagem favorito? Em modo geral ou do seu(s) livro(s)? Se sim, por quê? O que ele significa para você?
Dentre os personagens de meus livros, seria muito difícil escolher um favorito. Sinto-me como um pai e amo todos igualmente, pois percebo o quanto coloquei de mim mesmo em cada um deles. Aliás, acho que esse é um dos grandes baratos de ser escritor: é meio como brincar de ser Deus. Seguindo esse raciocínio, escrever pode nos ajudar a entender um pouco melhor a mente de Deus. Percebi isso pela primeira vez quando estava escrevendo o meu primeiro romance, depois de ter feito meu protagonista passar por poucas e boas. O herói de meu livro estava sofrendo, não porque eu quisesse fazer ele sofrer, mas porque ele precisava passar por aqueles sofrimentos para se tornar, de fato, um herói. Perceber isso me ajudou a enxergar de outra forma os desafios e lutas que enfrentamos em nosso dia a dia. Para tentar responder mais diretamente à sua pergunta, vou citar um outro exemplo dessa percepção do processo da escrita como brincar de Deus. Havia um personagem meu, que não vou revelar o nome e nem de que livro é, mas que era um grande vilão: um assassino narcisista e muito cruel. No dia em que escrevi a cena da morte desse personagem, tive uma crise de choro muito forte e cheguei a ficar deprimido. Foi só então que me dei conta do tanto de amor que eu havia investido, até mesmo em um personagem tão desagradável. Penso que Deus deve nos amar da mesma forma.
 
3 - Como foi para você, entrar no mundo literário?
No dia em que vi meu primeiro livro impresso, em que o segurei em minhas mãos, folheei, senti o cheiro de tinta fresca exalando das páginas, experimentei uma sensação inigualável e indescritível. É uma espécie de embriaguez de vitória. Tive que fazer um esforço consciente para me puxar de volta para a Terra, para que eu não começasse a me achar melhor ou mais inteligente do que os outros, só porque havia publicado um livro. Depois essa euforia passou, e ficou um sentimento de profunda gratidão. E é essa sensação que experimento agora, a cada novo livro lançado: a de estar cumprindo mais uma etapa de minha missão, e de ser imensamente grato ao Universo pela permissão para desempenhar essa missão.
 
4 - Você faz muitas pesquisas antes de escrever uma história?
Cada livro que escrevo é totalmente diferente dos outros, por isso cada livro tem sua própria engrenagem, sua própria metodologia. Mas de uma forma ou de outra sempre há algum tipo de pesquisa envolvida. Sempre procuro um jeito de transformar essa etapa da pesquisa em algo divertido e prazeroso. Acho que nisso há muita influência de minha experiência como professor de violão: acredito muito no “caminho da alegria”, acho que quando estamos nos divertindo nosso cérebro se torna mais receptivo para aprender coisas novas. Por isso assumo um compromisso solene com cada novo aluno: “prometo que tocar violão é divertido”. Então da mesma forma, quando me coloco na posição de estudante, de pesquisador, procuro sempre ficar o mais receptivo possível para o prazer do aprendizado.
 
5 - Existem muitas cobranças por parte de seus leitores?
Sempre existem cobranças de um tipo ou de outro. Penso que isso faz parte e sou grato por isso, pois se há cobranças isso significa que o meu trabalho está tocando o coração das pessoas de alguma forma. Claro que existem cobranças mais agradáveis, como os pedidos de continuação de uma história ou outra, e cobranças menos agradáveis, como quando algum leitor não entende ou não aprecia a proposta de determinado livro e quer que eu passe a escrever de forma a atender às suas expectativas específicas. Tanto no primeiro caso quanto no segundo, não costumo levar essas cobranças em consideração quando estou escrevendo uma história. Procuro sempre escrever de forma a tornar a leitura de meus livros o mais interessante e instigante possível, mas escrevo em primeiro lugar para mim mesmo. Cada livro que escrevo traz uma importante revelação que preciso acessar através do próprio processo da escrita. É gratificante além da conta quando percebo que os leitores também estão de alguma forma acessando essa mesma revelação. Graças a Deus, isso tem acontecido sempre, a cada novo livro. Mas não posso escrever pensando em atender expectativas dos leitores, pois isso significaria, na prática, fechar a porta para essa revelação. Entendo que outros escritores sigam outros caminhos, mas só posso dar conta de meu próprio caminho.
 
6 - Fale um pouco sobre sua forma de criação... Possui alguma mania na hora de escrever?
Tenho várias manias. Ao mesmo tempo, sou bastante desapegado. De modo geral, procuro cultivar os hábitos e manias que me ajudem a escrever mais e melhor. Por exemplo, até recentemente eu escrevia à mão, em um caderno, e depois digitava no computador. Isso depois de passar uns bons anos escrevendo direto no computador. Agora, me decidi a passar um tempo novamente digitando, para não ficar aprisionado a ter que escrever à mão primeiro. Ao mesmo tempo, a cada novo livro eu gosto de criar algumas regrinhas, como uma espécie de brincadeira secreta, de forma a tornar o processo mais divertido. Por exemplo, em meu romance “Favela Gótica” a última frase de cada capítulo é também o título do capítulo. Já no livro de não-ficção “Diário de um Imago: contos e causos de uma banda underground”, que conta a história da banda Imago Mortis, decidi começar todos os capítulos com a fala de alguém. Em um dos livros que estou escrevendo atualmente, a brincadeira é começar cada capítulo com um ditado criado por mim mesmo.
 
7 - Quais são seus projetos para um futuro próximo?
Estou aproveitando esse período de pandemia para escrever três livros. O primeiro é uma biografia: “Grande Alma da Capoeira: a vida e os ensinamentos de Mestre Tyko Kamaleão”. Tenho a grande honra e alegria de ser aluno de Mestre Tyko Kamaleão, o criador da Capoeira do Intuitivo, que se destina a nos libertar de nossas algemas psicológicas e que pode ser praticada por qualquer pessoa, inclusive por quem nunca fez capoeira. Também estou escrevendo uma história de ficção, “Zéfiro” um romance policial passado aqui na Bahia, com toques de fantasia e terror. Como contraponto a esse livro mais pesado, estou escrevendo “Histórias de Mainha”, uma série de contos engraçados inspirados nas histórias verídicas de minha família.
 
Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores?
Agradeço o espaço e a oportunidade, é sempre uma alegria imensa poder falar sobre literatura. Aos leitores do Lost Words, parabenizo seu chamado literário. Acredito que os livros podem ajudar a nos tornarmos pessoas melhores. Para isso, precisamos aceitar desafios, sair das zonas de conforto, buscar ler também aquilo que nos incomoda, buscar principalmente ler aquilo que de alguma forma mexe conosco. Ler transforma. Se ao final de uma leitura eu continuo sendo a mesma pessoa, considero que essa leitura foi um desperdício, uma perda de tempo.


Sobre o autor:


Fabio Shiva é músico, escritor e produtor cultural. A carreira musical é iniciada com a banda Imago Mortis, com dois CDs lançados internacionalmente. Coautor e roteirista de ANUNNAKI - Mensageiros do Vento, primeira ópera rock em desenho animado produzida no Brasil.
É fundador da Oficina de Muita Música!, projeto inovador que funcionou durante nove anos na Casa da Música (SECULT/BA), beneficiando centenas de participantes com aulas gratuitas de violão, contrabaixo, xadrez e meditação. Desde 2017 também coordena o Bahia Canta Paz, grupo que tem a proposta de celebrar e fomentar a fraternidade, a tolerância e o respeito à diversidade por meio do poder transformador e positivo da música.
Idealizador e produtor dos projetos de literatura: Pé de Poesia (que decorou as árvores de Salvador com poemas em 2016), Doce Poesia Doce (que distribuiu 10 mil “poesias doces” – poesias embalando balas doces – em 2017), Poesia de Botão (em 2018, com a implantação de um jogo que ensina as crianças a rimar e fazer poesia em escolas municipais) e Gincana da Poesia (2019-2020, com atividades poéticas em escolas e praças de Salvador e publicação de livro), todos patrocinados pela Fundação Gregório de Mattos (Prefeitura Municipal de Salvador). Fundador do projeto P.U.L.A. (Passe Um Livro Adiante), que já fez circular milhares de livros gratuitamente pelo Brasil. Palestrante sobre temas como Consciência, Música e Espiritualidade em escolas públicas e eventos diversos.
Publicou em 2013 o romance policial O Sincronicídio pela Caligo Editora. Sua história infantil A Menininha Azul foi selecionada para a plataforma digital do Mapa da Palavra – BA. Em 2016 lançou dois livros pela Cogito Editora, um duplo de contos (Isso Tudo É Muito Raro / Labirinto Circular) e, como organizador, o coletivo sobre literatura Escritores Perguntam, Escritores Respondem. Participou de diversas coletâneas de poesias, contos e crônicas. Em 2018 lançou, como organizador, a antologia poética Doce Poesia Doce, pela Cogito Editora e, em 2019, a antologia Poesia de Botão, pela Verlidelas Editora. Em janeiro de 2019 lançou Favela Gótica, seu segundo romance, pela Verlidelas Editora. No mesmo ano publicou pela Amazon o romance de não ficção Diário de um Imago: contos e crônicas de uma banda underground, sobre a banda Imago Mortis. No carnaval de 2020 lançou, pela Caligo Editora, o livro de contos Tanto Tempo Dirigindo Sem Ninguém No Retrovisor: contos da era Bolsonaro. Em outubro de 2020 organiza, junto com Sérgio Carmach, a antologia Cura Poética, pela Verlidelas Editora.


Beijos!

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2 comentários

  1. Oi, Aline. Como vai? O Shiva é um querido. Eu tive o prazer de ler duas obras dele e que leitura impactante a trama me proporcionou. É um exímio escritor. Adorei poder conhecer um pouquinho mais de seus hábitos literários. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  2. Eu amo essa oportunidade única que você para que todos nós, aqui do outro lado, conheçamos mais da nossa tão rica literatura nacional!
    Ainda não tive o prazer de ler nenhuma obra do autor, mas com certeza, devem ser tocantes e com certeza, quero muito poder conferir!!!
    Beijo

    Angela Cunha/O Vazio na Flor

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