ENTREVISTA COM AUTORES #180 | Autor Rafael Sales
Eu sempre busquei me expressar através da arte. Tentei focar no desenho começando algumas HQs que nunca saíram da primeira página, arrisquei na atuação fazendo teatro durante um ano e até cantar no coral da igreja (que durou um pouco mais de 2 semanas). Acredito que o embrião da literatura, da jornada pela escrita, surgiu ainda na adolescência quando fui apresentado ao RPG, e junto com amigos desenvolvemos regras e um sistema próprio, pois tínhamos a vontade de jogar, mas pouco recursos na época para comprar os livros dos cenários e campanhas, então improvisamos. Disso surgiu uma campanha que mestrei, onde fiquei responsável pelo desenvolvimento do cenário, das histórias sendo esse o “começo” da criação do meu universo literário Silhuetas na Penumbra.
Em razão do RPG comecei a consumir mais literatura (para ter mais ideias para as campanhas) até conhecer outros autores nacionais e me dar um estalo que me fez perceber que eu amava contar histórias, desenvolvê-las e escrevê-las e me perguntei “Porque não transformar essa campanha, esse universo que criei para o RPG em uma história”, disso surgiu o primeiro manuscrito do que viria a se tornar Semente de Âmbar anos depois.
2 - Quais autores ou obras influenciaram seu estilo de escrita?
Eu comecei minha relação mais íntima com a leitura de obras do Edgar Allan Poe, Neil Gaiman e Cassandra Clare, que de certa forma me inspiraram, porém, eu acredito que minha “voz de escritor” só se formou após conhecer a escrita de André Vianco, Walter Tierno, Raphael Draccon, Eduardo Spohr e Carolina Mancini que mostraram para o jovem Rafael anos atrás que era possível sim escrever boas
histórias tendo como cenário o Brasil e sendo, obviamente, autores nacionais.
3 - Como você lida com o bloqueio criativo?
Eu dificilmente tenho que lidar com o bloqueio criativo, na real, tenho que lidar com a fadiga mental kkkkk. Eu sou o tipo de escritor “arquiteto” então só consigo começar a escrever uma história já a tendo totalmente planejada, estruturada, capítulo por capítulo – obviamente eu raramente sigo à risca tudo o que planejei, às vezes a história toma rumos que não previmos lá no começo do planejamento – mas ter essa visão mais macro de toda a história ajuda a criação e até as mudanças no meio do caminho, claro que isso não me torna imune ao bloqueio criativo, mas acredito que, para mim, esse processo de escrita funciona. Porém, eu trabalho diariamente com criação – sou designer e diagramador – e muitas vezes,
no final do dia, estou tão cansado mentalmente que escrever se torna impossível, então, muitas vezes intercalo a escrita com demandas – e dias – que o processo criativo não foi tão exaustivo conseguindo assim conciliar as duas atividades que eu amo na mesma proporção; escrita e design.
4 - Quais desafios você enfrentou durante sua jornada como escritor(a)?
Acredito que os dois maiores desafios que já enfrentei até o momento foi ressignificar a escrita após o falecimento da minha mãe, o que me fez ficar afastado da escrita durante quatro anos. Minha mãe foi minha maior motivadora, eu lia para ela cada capítulo escrito em um caderno quanto comecei a desenvolver o primeiro manuscrito do que viria ser Semente de Âmbar, se não me engano entre 2009 e 2010, e ela sempre apoiou e acreditou nesse “sonho maluco” de se tornar escritor. Quando ela faleceu, em 2018, eu vivi dois extremos, realizava um grande sonho que era lançar meu livro e perdia a pessoa que mais acreditou nisso. Eu tentei me manter presente e promover o livro por um tempo, mas não conseguia escrever novamente como antes, não conseguia desenvolver mais nenhuma história dentro do universo de Silhuetas na Penumbra ou qualquer outra coisa, pois isso me remetia ao luto, a falta que ela sempre me fez, após um processo bastante longo e inúmeras sessões de terapia, voltei a escrever, a produzir e desenvolver as histórias dentro do universo de Silhuetas na Penumbra como sempre idealizei.
O segundo momento foi romper com a antiga editora, e pelos motivos que levaram a isso. Eu tinha uma relação bem próxima que ultrapassava o contato de autor - editora ou prestador de serviço - editora, pois eu também era diagramador da casa, e sempre foi um lugar que me senti acolhido e valorizado, mas ao longo do tempo muita coisa se perdeu, se tornando algo completamente distante até dos fundamentos que levaram a criação da editora. Nos bastidores a relação se tornou conflituosa. Diante dos muitos problemas a comunicação transparente e parceira deixou de existir, sobrando justificativas rasas e evasivas, narrativas que tentavam terceirizar a responsabilidade da editora e posturas com o objetivo de ocultar as inúmeras tentativas de vender um “mundo perfeito” enquanto todos os problemas eram jogados para debaixo do tapete, até chegar o momento que permanecer na editora deixou de ser saudável mentalmente para mim.
Agora, sigo como autor independente e pronto para enfrentar os outros desafios dessa jornada.
5 - Você já teve experiências significativas com seus leitores? Alguma história que gostaria de compartilhar?
Todas as frustrações e crise que relatei na pergunta anterior me mostrou que eu não estou sozinho, recebi muitas mensagens de apoio dos leitores e profissionais do mercado, palavras de incentivo e motivação que, com absoluta certeza, foi uma experiência extremamente significativa. Os leitores também fizeram algo que eu jamais poderia ter imaginado que foi esgotar em menos de 72 horas todos os exemplares da tiragem remanescente que adquiri da antiga editora. Eu estava otimista, sim, que conseguiria vender todos os livros, mas em um prazo muito maior, de semanas, não horas. Além disso, soube que a Leitura Coletiva de As Crônicas dos Mestiços que aconteceu em 2023 ajudou um leitor a enfrentar bloqueios de socialização e que estar na LC foi muito importante para ele, poder, de certa forma, contribuir para alguém se livrar de amarras e traumas faz todo o esforço valer muito a pena. E uma experiência mais recente é descobrir que tem leitores que faziam coleção de edições de Semente de Âmbar, tendo todas as três lançadas desde 2018, e coloquei “faziam”, pois agora chega de relançar Semente de Âmbar, já teve a edição de 2018, uma edição em capa dura com material extra em 2019 e
agora a edição anunciada em 2023, mas que só chegou para todos em 2024 (e que esgotou), mas as próximas tiragens serão dessa última versão, agora é focar em novos lançamentos rsrsr.
6 - Como é o seu processo de escrita? Você segue uma rotina específica?
Como eu mencionei um pouquinho acima, eu planejo e pesquiso todas as referências antes. Começo com uma premissa simples, definindo protagonista(s) e antagonista(s) e a “big ideia” para o livro; a trama central. Depois disso, passo a fazer uma espécie de resumo, também algo bem básico em poucas linhas, do que acontecerá em cada capítulo e assim a história vai tomando forma. Eu tento manter uma rotina constante de escrita, mas como escrever ainda não é minha atividade e renda principal, preciso intercalar com outras demandas – os projetos de design e diagramação que pagam as contas. Antes, tentava escrever um pouco pelo menos uma vez por dia, mas não estava funcionando e isso me frustrava muito. Atualmente tenho como meta escrever pelo menos uma vez por semana, em algumas consigo tempo e disposição para reservar mais de um dia e tem fluído mais facilmente e a cobrança interna também tem sido menor dessa forma.
7 - Qual é o impacto que você espera que suas obras tenham nos leitores?
Eu escrevo fantasia urbana com elementos do folclore e inspirado por mitologias e cosmologias dos povos originários. É ambicioso, mas espero que com o universo de Silhuetas na Penumbra os leitores passem a olhar com mais carinho para as obras nacionais, em especial aquelas que em sua construção tragam a brasilidade, o folclore, a valorização da nossa cultura, que busquem por obras escritas por
autores indígenas, que valorizem os povos originários e percebam a enorme importância deles não somente para a construção da nossa identidade e costumes, mas para a manutenção e preservação da nossa terra e que temos muito ainda o que aprender com eles no quesito de sociedade. Espero que
possam refletir em assuntos que apresento em algumas camadas das histórias como representatividade e diversidade na literatura na tentativa de tornar a nossa realidade um pouco mais respeitosa e acolhedora para aqueles que não “se encaixam no padrão imposto”.
8 - Quais são seus planos para o futuro? Você está trabalhando em algum novo projeto?
Me tornei autor independente há algumas semanas e estou recalculando tudo o que tinha planejado rsrsr. Estou analisando as possibilidades de voltar a rodar Semente de Âmbar, a edição física, além de transformar o e-book As Crônicas dos Mestiços também em versão física e para o segundo semestre levar para os leitores uma nova história, inédita, desse universo de Silhuetas na Penumbra, adiantando um pouquinho, é uma antologia de contos que narra como surgiu e se formaram os Generais do Caos tendo como “narradora” Kua’noa, a personificação da morte nesse universo. Além de estar reescrevendo Ritos da Criação, que foi um “volume bônus” que ficou muitos anos disponível no Wattpad e foi ganhador do Wattys 2017, em Ritos da Criação além do material que quem acompanhou no Wattpad já conhece, estou intercalando com a história de um personagem novo no universo de Silhuetas na Penumbra.
Em paralelo a tudo isso, sigo ao lado de dois autores com o “experimento” Aldrava, uma “editora independente”, ainda em fase de construção onde eu, e os outros dois fundadores, estamos nos usando como “cobaia” com o objetivo primário de viabilizar nossos livros.
Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores?
Obrigado por lerem até aqui e me permitirem contar um pouquinho da minha trajetória, espero que vocês possam “atravessar o Véu da Realidade” e se aventurar por esse universo e histórias que escrevo com tanto carinho.
Aproveito para agradecer a Aline por todo o seu esforço e profissionalismo em valorizar e divulgar a literatura nacional, por todo o apoio a mim e por acreditar em minha jornada desde quando comecei a trilha-la.
Sobre sua(s) obra(s):
Sinopse: Há milênios, a humanidade vem sendo usada como peça de uma guerra oculta. De um lado, forças angelicais lutam para defender a Criação, enquanto legiões demoníacas arquitetam planos para reinar sobre a dimensão dos mortais. Entre as duas forças, as entidades de Fantás’ya tentam manter a harmonia e a existência de tudo como conhecemos, porém o empate entre Ordem e Caos revive uma promessa esquecida.
Após anos em um orfanato a vida de Elisa se transforma por completo ao ser adotada por uma renomada artista plástica e, na nova cidade, a estreia de um espetáculo circense desencadeia acontecimentos que levam a garota a descobrir que existem verdades escondidas em seus pesadelos corriqueiros.
(Atualmente esgotado - Lista de espera para nova tiragem (Link: https://forms.gle/GXr7cMg4YGdxnMXi6 )
Sinopse: Antes do nascimento de uma humana amaldiçoada quando o primeiro ar preencheu seus pulmões, destinada a desempatar a guerra milenar entre Ordem e Caos, algumas decisões e consequências entrelaçaram os caminhos de indivíduos distintos.
“As Crônicas dos Mestiços” reúne os contos de origem de muitos dos personagens apresentados em “Semente de Âmbar”. Neste copilado de histórias você descobrirá que ninguém está imune ao doce sabor do pecado. Como o amor de vidas passadas pôde unir duas criaturas de lados opostos em um conflito milenar. Verá o destino de um exilado e um grupo em fuga se cruzando. Presenciará o começo do cumprimento da promessa feita no início das Eras e conhecerá a maldição lançada sobre uma recém-nascida. O surgimento e declínio daqueles que partiram com a missão de salvar a humanidade da destruição eminente provocada pelas conspirações dos Celestiais e abissais.
Nestes contos, você será transportado para um mundo oculto aos mortais, de seres escondidos nas matas, nas vielas e becos das cidades, sedentos por sangue ou disfarçados de artistas circenses. - Compre aqui!
Sobre o(a) autor(a):
Publicitário por formação e designer por consequência. Começou sua carreira publicando em antologias de poemas e contos em 2010.
Após uma pausa nada prevista, recomeçou sua jornada na escrita em 2016 e jamais imaginou que ela o levaria a atuar no mercado editorial não somente como autor, mas como designer editorial.
Somente em 2017 concluiu seu primeiro projeto literário, acrescentando diversos elementos do folclore brasileiro e unindo a anjos e demônios, intitulado Silhuetas na Penumbra. A série iniciada no Wattpad ganhou o prêmio "Wattys 2017" na categoria "Contadores de Histórias". "Silhuetas na Penumbra - Semente de Âmbar" foi publicado pela editora PenDragon em 2018, ganhando uma versão especial em capa dura com todos os contos da série em 2019.
Vencedor do prêmio Ecos da Literatura na categoria "Melhor Livro Digital de 2022" com "Silhuetas na Penumbra: As Crônicas dos Mestiços", e ficando em 2º lugar na categoria "Melhor Profissional da Área - Diagramação"
Atualmente, Rafael divide seu tempo entre a escrita, os projetos de diagramação para algumas editoras de literatura nacional e autores independentes e design para o nicho de Marketing Digital.
Beijos!
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