ENTREVISTA COM AUTORES #247 | Autor Wesley de Jesus Barbosa

by - sexta-feira, abril 11, 2025


1 - Qual foi sua inspiração para começar a escrever?
Sempre gostei de escrever. Mas autores lidos lá na minha adolescência me levaram a tentar querer fazer o mesmo, evidentemente que jamais chegaria ao patamar dos grandes, mas achava super charmoso, inteligente, culto, poderoso, escrever, envolver as pessoas numa trama. Foi lendo, ainda no Ensino Médio, obras como O Crime do Padre Amaro de Eça de Queiróz, Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, Memórias Sentimentais de João Miramar de Oswald de Andrade, O Ateneu de Raul Pompéia, dentre várias outras, que acabei me encantando com a literatura, inclusive me postulando a escritor. 

2 - Quais autores ou obras influenciaram seu estilo de escrita?
Os autores que influenciaram a minha escrita foram, principalmente, Dostoiévski e Tolstói. Dostoiévski com as obras Os Irmãos Karamázov, O Idiota, Os Demônios, Memórias do Subsolo, Crime e Castigo, Humilhados e Ofendidos. Tolstói com as obras Anna Kariênina e Guerra e Paz. Estes autores funcionam na constituição do estilo mais próximo do atual, já que a história de um escritor é longa e, portanto, em tempo mais longínquos, outras referências fizeram parte do escopo estilístico. No caso de Crime na Casa Noturna, o objetivo era encenar um romance social brasileiro em pleno século XXI, no sentido de discutir os grandes temas de nossa pátria, os nossos dilemas morais e políticos, utilizando-se da arte para isto.   

3 - Como você lida com o bloqueio criativo?
Geralmente, nunca paro de trabalhar como se houvesse um bloqueio. O que poderia ocorrer é uma indisposição para escrever. Mas isto é facilmente substituído por outras atividades, como leituras de textos tanto literários quanto científicos e filosóficos. Apreciação de músicas e pinturas, de modo a retirar o foco da escrita. Este relaxamento do foco tem intenção de oferecer um descanso no sentido de reconduzir a atenção para, novamente, a escrita, agora com o espírito renovado. Escrever é trabalho, não tem nenhuma relação com inspiração ou momentos mágicos em que uma espécie de sopro do indizível simplesmente opera numa escrita extraordinária. A escrita melhora na mesma proporção que se treina a escrita, ou seja, quanto mais se escreve, melhores vão ficando as obras.    
     
4 - Quais desafios você enfrentou durante sua jornada como escritor(a)?
O principal desafio como escritor no Brasil se refere ao fato da sociedade não estar muito atenta à arte literária, o que influência diretamente nas vendas de livros. Um país de não leitores corrobora para uma sociedade bastante distanciada dos grandes temas da história humana, a vida, a arte, a verdade, a história, a política, o ser, o nada, o infinito, o universo. E com o advento das novas tecnologias, para o bem e para o mal, a sociedade, isto não só a brasileira, mergulhou num obscurantismo como incapacidade de abstração, imaginação e paciência para a leitura calma e lenta de textos. Mas o Brasil ainda tem um agravante, a educação formal básica é, desde muito tempo, bastante ruim, o que não ajuda na formação de uma massa de leitores. Se hoje o número de alfabetizados é maior, isto não quer dizer que o número de leitores tenha aumentado significativamente. O livro no Brasil é visto como algo distante, caro, secundário, que para valer à pena a compra e leitura, precisa oferecer algo definitivamente útil e eficaz em termos práticos e monetários, ou entretenimento puro como forma de estancar o tédio. A noção de uma transformação humana profunda como possibilidade de abertura de mundos pelos novos vieses ofertados pela leitura não é comum ao brasileiro médio. Se lê porque se quer uma experiência totalmente nova, uma renovação de si como um renascimento em vida de um novo homem: livre, autônomo, inteligente, culto. Portanto, ler não é hábito, é uma busca espiritual de renovação de si mesmo pelo incômodo, angústia, espanto, alegria do texto literário. A leitura humaniza o homem, devolvendo-o a si mesmo através de um outro (o escritor). O leitor constrói o seu conhecimento como descoberta de si na medida que se envolve  no mundo pela experiência artística da obra de arte literária. Isto não é qualquer coisa e tem de ser dito, principalmente, às crianças bem pequenas, potencializando-as a serem leitoras adultas. Esse processo educativo é negligenciado no Brasil por todas as esferas competentes: Estado, família, sociedade, gestores, políticos. É bastante triste, lamentavelmente!  

5 - Você já teve experiências significativas com seus leitores? Alguma história que gostaria de compartilhar?
Os meus leitores gostam bastante da forma como escrevo, o estilo do texto, provocativo, intenso, forte, filosófico. Nas bancas de doutorado a que foram submetidas as minhas teses, tanto na psicologia quanto na filosofia, bancas formadas exclusivamente por  doutores, o tom sempre foi elogioso, com comentários do tipo: "texto muito bem escrito", "texto com um estilo bem próprio", "texto forte". O estilo é perturbador, o que também gera um certo incômodo no sentido de fisgar o leitor pelo corpo, recrutando-o a tomar partido. Acho que nenhum leitor fica indiferente ao meu texto.   

6 - Como é o seu processo de escrita? Você segue uma rotina específica?
Geralmente, começo pela escrita dos capítulos e subcapítulos desdobrando o próprio enredo do texto nestes títulos. Às vezes, escrevo pequenos tópicos nestes capítulos para não esquecer quais as intenções iniciais de sua feitura, a ideia principal originária. Em seguida vou para o trabalho mesmo. Se o projeto já está finalizado é só começar e faço tudo de uma vez, o mais rápido possível, todos os dias, dias à fio. Prefiro escrever pelas manhãs. Mas se achar necessário posso ficar o dia inteiro escrevendo. É bom escrever logo para não deixar o texto fugir. Um escritor sabe quando ele tem o texto, basta a ele transformar este sentimento, este impulso, na palavra capaz de seduzir o seu leitor. É a palavra lida, o sedimento mais importante de nossa arte, arte capaz de transformar vidas, de promover revoluções espirituais e políticas. Quando se perde as palavras, perdeu-se tudo, o amor, a política, a arte, a literatura, a própria vida. O que realizamos é um elogio a própria vida. Logo, não dá para demorar muito para não se perder o fundamental. Depois é só ir ajustando e lapidando. 

7 - Qual é o impacto que você espera que suas obras tenham nos leitores?
O livro Crime na Casa Noturna foi escrito para instigar os leitores a pensar sobre os grandes dilemas deste Brasil polarizado. Um lado e outro tão apaixonados em suas trincheiras de sentidos e significados, que acabam perdendo a beleza de sentir quem realmente somos: brasileiros. E nossa forma de ser não é de modo algum engessada, rígida, sisuda, truncada. Essas fórmulas dogmáticas da vida não são nossas, elas vem de fora, dos Estados Unidos e da Europa, nós somos livres demais para sermos definitivamente. A nossa identidade é sem identidade, a nossa alegria é triste, o nosso humor é ácido e cafajeste, quase imoral. Somos o mais rico dos povos, porque conseguimos suportar existir na miséria, miséria política, econômica, cultural, moral, espiritual. Nossa glória é nossa desgraça. Somos sofredores par excellence e ninguém no mundo é capaz de entender a nossa dor. Estamos tão profundamente maculados com a nossa história de escravidão, violência contra as mulheres, contra os povos originários, tão tristes nesta escuridão, que poderíamos nos dar por satisfeitos e simplesmente se deixar morrer. Mas nós não fazemos isso, o brasileiro dá uma resposta completamente inadequada ao estímulo posto pela realidade sócio histórica: o brasileiro zomba de sua miséria, debocha de sua desgraça e faz festa quando todos deveríamos afundar na mais ignóbil melancolia. Crime na Casa Noturna pretende levar o leitor a descobrir quem somos, não como identidade, mas como povo que tem a inocência de ter nascido sem pecado original, portanto, um povo sem culpa, sem lugar, um povo por isso mesmo, órfão de pai, desamparado, que no limite do desespero converte sua dor em alegria. A alegria como meio mesmo de resistência política na insistência em existir a qualquer custo e plenamente. As novas disputas políticas no Brasil e no mundo e um certo identitarismo de direita e esquerda, que o Brasil acaba reverberando, nos distanciou de nós mesmos. O meu livro é uma tentativa de nos lembrar a nós brasileiros de como somos esta estranha sociedade, extraordinária, triste, melancólica, brutalmente desigual, ao mesmo tempo cordial, conciliadora, mestiça, indecisa, mas que decide, tão pobre e tão rica.  
 
8 - Quais são seus planos para o futuro? Você está trabalhando em algum novo projeto?
Ainda não estou trabalhando em um novo projeto. Mas devo me engajar nisto o quanto antes. 

Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores? 
Aos leitores e leitoras da Lost Words, dediquem-se à leitura, apaixonem-se por ela e transmitam às outras pessoas o sentido profundo da leitura. Consigam elaborar um discurso capaz de tocar as pessoas no sentido de buscarem os livros. Com isto elas se transformam e transformam a sociedade. Uma sociedade leitora é, com toda certeza, uma sociedade melhor.    

Sobre sua(s) obra(s):


Sinopse: Crime, História Social, Filosofia Política, e os Suspiros dos Tempos Atuais.
 
Nos "Algoritmos da Verdade," condenações sem direito à defesa são a norma. Um criminoso está à espreita. É possível identificá-lo, mas o leitor, dependendo de quão comprometido esteja com certas ideias, pode apontar o dedo para a pessoa errada, correndo o risco de cometer um grave erro. Ao perceber esse erro, o leitor talvez se confronte com uma dolorosa descoberta sobre si mesmo: a frustração não surge do desfecho da história, mas da revelação de preconceitos e dogmas ocultos que até então permaneciam despercebidos.
 
Um criminoso deve pagar por seus crimes, mas não por aqueles que os outros lhe atribuem, baseados em suposições superficiais. A inversão das opressões não faz justiça; apenas perpetua uma estrutura de injustiças.
 
E onde está o brasileiro quando o bem e o mal emergem como duas faces de uma mesma farsa vingativa, com raízes na Europa e nos Estados Unidos? Há tantos crimes na casa noturna e tantos suspeitos, que até o leitor não poderá se eximir das responsabilidades de suas escolhas e julgamentos, correndo o risco de ser transformado existencialmente.
 
Independentemente dos estereótipos e da carga de bondade ou maldade que carregam, um assassino cruel, sanguinário e extremamente inteligente está à solta. Inocentes e culpados se enredam numa teia criminalística, convocando o leitor a se tornar investigador. Ao examinar os fatos, o leitor descobre a si mesmo como brasileiro, político, pensador e, inevitavelmente, como portador tanto do bem quanto do mal. Afinal, sendo genuinamente brasileiro, antes da contaminação maniqueísta de um mundo rancoroso, ele é alguém para além do bem e do mal. - Compre aqui!

Sobre o(a) autor(a):


Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) com tese intitulada A Presenticação de Deus na Filosofia de Nietzsche. Doutor em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com tese intitulada Subjetivações do samba: singularidades (re)existentes do carnaval. E, ainda, mestre em filosofia pela UFES com dissertação intitulada: O Idiota de Jesus: a hipótese médica e a hipótese literária como indicativos de uma posição transvalorada em Nietzsche. Sou, também, Bacharel em Psicologia e Licenciado em História, ambas as formações pela UFES. Desde 2001, sou professor de História, Filosofia e Atualidades, trabalhando regularmente com crianças e adolescentes no sentido de uma formação acadêmica e cidadã, insistindo na utopia de que a educação e a leitura são alicerces fundamentais para a emancipação intelectual dos indivíduos na construção de uma sociedade livre e justa.   

Beijos!

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