ENTREVISTA COM AUTORES #78 | Autor Luciano Otaciano

by - quinta-feira, março 05, 2020


1 - Como você percebeu que queria ser escritor(a)?
Bem, isso pode ser bastante comum de se ouvir de um escritor, mas eu comecei a ler bem cedo em minha vida. Ouço estórias por aí de pessoas que com doze anos já haviam lido todos os romances do Conan Doyle e que, com catorze, liam em média um livro grosso por mês. Acho legal quando ouço tais relatos, mas essa foi pouco minha realidade: eu sempre tive grande influência em casa para ler e como nasci em uma cidade grande que na época tinha uma única livraria em todos os seus quatro quarteirões, acabei não desenvolvendo o hábito da leitura quando criança. Quando digo criança, me refiro a mim, antes de eu ter completado os doze anos de idade. Além disso, os livros que me eram disponíveis nessa época não me chamavam a atenção e eu facilmente ficava entediado com eles, de modo que minha mente inquieta se interessava mais por filmes, jogos e outras formas de entretenimento que não envolvessem páginas de livros com bichinhos coloridos e estórias bonitinhas (com exceção dos gibis, que eu lia com frequência). Antes de eu completar doze anos, praticamente eu só lia gibis. Apesar de isso ter sido algo que tornou mais tardio o desenvolvimento de minha compreensão sobre a literatura, por outro lado foi exatamente isso que favoreceu o crescimento de uma imaginação mais livre e individualizada: de certa maneira, para mim foi mais fácil fugir da influência dos clichês e eu pude aproveitar o tempo livre da infância para explorar outros assuntos que, depois, vieram a influenciar  minha visão de enxergar o mundo, consequentemente decisivamente na minha escrita.
Durante a adolescência, apaixonei-me pela arte, e com cerca de catorze anos pus-me, sem dinheiro algum, a fazer artesanato com os meus amigos. No começo eram peças rústicas de madeira, ou porcelana de péssima qualidade, mas depois fomos aprimorando nossas habilidades e contornando os obstáculos com criatividade e audácia até conseguir (ainda sem dinheiro, material adequado, madeira apropriada ou porcelana de qualidade) produzir peças melhores, com os quais fiquei plenamente satisfeito. Mesmo assim, o artesanato me era demasiadamente limitante, e sempre me foi óbvio que sem dinheiro é impossível fazer artesanato que as pessoas virão a adquirir e a apreciar de verdade.
Nesse meio tempo, por uma espécie de atração natural que eu não sei explicar, entrei em contato com a obra de H.P.Lovecraft, e, apesar do vocabulário difícil, ela exerceu grande fascínio sobre mim. Depois, um amigo me apresentou uma coleção de contos macabros organizados pelo Alfred Hitchcock e, a partir daí, compreendi que os livros não são escritos por seres abençoados que só vivem no passado ou no exterior, distantes de mim, intocáveis e cheios de talento, mas por gente real, como eu e você, que simplesmente se dedicou a passar uma ideia para o papel e que assim o fez (isso sem a necessidade de madeira, porcelana e toda a parafernália do artesanato, já que escrever precisa tão somente de dois materiais: caneta e papel). Então, aventurei-me na criação literária.
Assim, foi escrevendo que adquiri grande amor pela leitura. Do mesmo modo que havia acontecido com o artesanato, foi fazendo literatura pelas minhas próprias mãos que eu encontrei a verdadeira beleza dos livros: escrevendo, aprendi a ler; quando digo ler, refiro-me a interpretação correta de um texto,fazendo artesanato, aprendi a apreciar aos trabalhos artesanais. Não estou dizendo que eu não lia livros antes disso. Estou dizendo, apenas, que, ao me aventurar nos processos de criação artesanais, adquiri uma compreensão maior do que lia e criava, e isso abriu não apenas minha mente, mas toda a minha alma para um mundo muito, muito maior. Um mundo belo, mágico e fantástico, repleto de mistérios e surpresas deslumbrantes.
Como uma evolução natural, passei a ler com mais frequência, e também a escrever com maior paixão. Desde então, nunca mais parei, e posso afirmar que, se eu parar, estarei morto como uma pedra sem cor no fundo de um oceano frio.

2 - Tem algum personagem favorito? Em modo geral ou do seu(s) livro(s)? Se sim, por quê? O que ele significa para você?
Costumo dizer que meus personagens são pedaços de mim mesmo. Eles são facetas de minha personalidade que ganham forma por meio da escrita, mas que crescem com vida própria e seguem seus caminhos bizarros sem a minha interferência.
Embora eu os tenha criado, é impossível afirmar com precisão o que são os personagens: eles são partes de mim, mas também são seres autônomos; eles saem de palavras sobre o papel, mas também são inteiramente reais; eles representam a maldade que há nos seres humanos, mas também a inocência que habita em seus corações; eles são criaturas exageradas e fictícias, mas também símbolos para a própria realidade... O que mais me fascina neles é justamente essa contradição que os constitui enquanto seres multifacetados, que não sei de onde vêm nem para onde vão. Eles são entidades maiores do que eu mesmo e que eu mesmo não compreendo por completo.
Para dizer em forma de enigma, digo que os personagens são espelhos – espelhos distorcidos e cobertos por sombras e névoas, mas, ainda assim, espelhos. Você vê neles o que há dentro de você. E não se preocupe se neles você encontrar perversidade, loucura e crueldade: isso tudo existe no ser humano. É importante conhecer o mal para ser não devorado por ele. Será que um monstro sabe que é um monstro? Será que sabemos do que somos capazes? Seríamos, todos nós, monstros disfarçados de seres pensantes e benevolentes?
A despeito dessa importância que confiro aos personagens, o que eu procuro criar nos contos, mais do que personagens interessantes, são atmosferas próprias e diferenciadas que transmitam emoções e sensações intensas ao leitor. Nesse contexto, os personagens são elementos necessários para a construção dessa “atmosfera”, e não apenas objetos que se exaurem em si mesmos.
Assim sendo, todos os personagens são baseados nas pessoas reais, mas cobertos pelo véu da fantasia.
Se pararmos para pensar bem no assunto, veremos que toda ficção é real, em certo nível. Stephen King mesmo já disse, no prefácio de algum de seus milhares de livros (acho que foi no “A Dança da Morte”, mas não tenho certeza), que “a ficção é a verdade dentro da mentira”. E ele está absolutamente certo.
Eu particularmente não tenho um personagem favorito. Posso afirma-lhes que, amo-os e odeio-os igualitariamente.

3 - Como foi para você, entrar no mundo literário?
Sempre tive total apoio da minha família e dos meus amigos em tudo o que fiz. Embora meus pais não tenham me influenciado a ler quando criança, eles nunca atrapalharam o livre desenvolvimento de minha personalidade e sempre me deram toda a base necessária para esse desenvolvimento. Essa postura por parte deles eu considero muito melhor do que se eles tivessem me coberto de livros e mais livros ou me obrigado a seguir determinado caminho sem opção de escolha, mesmo que fosse “para o meu próprio bem”. Se eles tivessem feito isso, minha rebeldia inata teria feito com que eu seguisse o caminho oposto, só pela perversa vontade de “quebrar a norma”, e então todo o esforço teria sido em vão.
Quando comecei a escrever, ainda sem qualquer pretensão de publicar um livro, acredito que tenha sido um pouco assustador para os meus pais, mas, como eles já estavam acostumados com a minha personalidade tipicamente introvertida e com meu envolvimento com artesanato, eles aceitaram numa boa. No entanto, meu primeiro conto, que ficou violentíssimo, causou certo choque nela, mas posteriormente eu refiz o conto e o deixei menos violento, embora ainda causasse em minha mãe, uma certa estranheza de ela presenciar estórias violentíssimas escritas pelo filho.

4 - Você faz muitas pesquisas antes de escrever uma história?
Sim e não! Achou estranho? Vou explicar! Em primeiro lugar o indivíduo não precisa ser pós graduado em língua portuguesa e ou outro idioma para escrever uma estória. É claro que, o bom escritor precisar ter domínio da escrita, não necessariamente ter doutorado em língua portuguesa para criar uma estória plausível ou imaginativa ao qual as outras pessoas, (no caso o leitor) possa se conectar e apreciar ou não a obra. Existem muitos fatores externos que influenciam diretamente, ou indiretamente para uma obra ser aceita ou não pelo leitor. Muitas estórias são criadas a partir do uso da intuição e outras estórias são criadas a partir do uso da razão e o estudo racional. Por esse motivo eu afirmo que, uma boa estória não precisa ser   necessariamente estudada para ganhar vida, e uma estória ruim pode ser criada a partir de muito estudo por parte de seu criador, então é de bom senso haver o equilíbrio entre o estudo e a intuição. Eu faço essa mescla de estudo e intuição para criar minhas estórias. Para este que vos escreve, este processo funciona, contudo possa ser que, para outras pessoas não funcione. 
Embora todos esses conceitos sejam interessantes e importantes de serem conhecidos, na prática o que vale mesmo é o efeito que a estória tem sobre o leitor. Conceitos são parâmetros que utilizamos para facilitar a compreensão e a comunicação, mas nenhuma boa estória deve se limitar a eles. A criação pressupõe liberdade, e sempre podemos inovar, talvez até criar novos conceitos. Romper as barreiras dos gêneros é uma obrigação do bom escritor.

5 - Existem muitas cobranças por parte de seus leitores?
Sim! A cobrança existe, principalmente se você faz um bom trabalho. Quando lancei meu primeiro livro, a cobrança era muito menor, até pelo fato de eu, praticamente ser um mero desconhecido no vasto mundo da literatura. Depois com as novas publicações vieram as cobranças. Eu particularmente gosto de as pessoas me cobrarem. No meu ponto de vista é sinal de que, meu trabalho está sendo realizado com bastante profissionalismo e os leitores estão gostando das minhas obras, esse detalhe me fortalece à querer melhorar sempre em busca do meu melhor.

6 - Fale um pouco sobre sua forma de criação... Possui alguma mania na hora de escrever?

O processo de criação varia bastante de livro para livro. Eu já escrevi vários gêneros literários, desde autoajuda até estórias de horror. Como sou propenso à experimentação, acabo sempre buscando maneiras novas de trabalhar. Além disso, cada livro tem sua vida própria e, ainda que eu me imponha algumas regras e limites na hora de escrever, é a obra que comanda o curso que ele vai seguir para ganhar a luz. Eu apenas escrevo e tento pavimentar esse caminho – às vezes com facilidade, às vezes na base da violência, tendo de remover de modo enérgico os obstáculos que surgem pela frente.
Como não escrevo por dinheiro, tenho liberdade para escrever no meu próprio ritmo e sobre o que bem entendo. Isso é bom por um lado, pois me dá a tranquilidade necessária para escrever apenas o que eu sinto que tem algum valor considerável, mas, por outro, provoca a tentação da preguiça e a do comodismo – tentações contra as quais luto com frequência, quase sempre com sucesso, apesar de não ser fácil lutar contra o monstro chamado procrastinação.
Quando estou no processo de construção de um livro, entrego-me totalmente a ele, de corpo, mente e alma. Para isso, temporariamente minha existência tem um único propósito: escrever o melhor livro de que sou capaz, custe o que custar. Não me satisfaço com resultados medianos e prefiro levar dez anos para escrever duas páginas realmente boas do que escrever dúzias de romances insossos em período menor. Minha forma de proceder, nesse caso, é minuciosa e quase artesanal. Escolho palavra por palavra, sempre atento ao significado, ao ritmo, à sonoridade e à vibração emocional que cada escolha provocará no resultado final. Nem sempre consigo o melhor resultado, e a perfeição é algo inatingível, mas só coloco o ponto final quando estou convencido de que fiz o melhor de que eu era capaz. É claro que existem pessoas que escrevem com maior qualidade do que eu agindo com bem mais displicência (estilo, dom e esforço são variáveis muito grandes de pessoa para pessoa), mas busco ser honesto comigo mesmo para criar o máximo e o melhor que consigo, sem me comparar com os demais, a não ser para encontrar boas influências. Sempre haverá escritores melhores e piores do que eu. Eu apenas escrevo o que, para mim possa ter algum valor e, possa causar uma sensação prazerosa ou não para aquele que lê. Revelarei uma mania minha que, consequetemente adquiri com o tempo escrevendo livros. Quando eu escrevo livros eu os escrevo numa folha de caneta. Posteriormente reescrevo no computador. Quando eu escrevo contos, poesias e matérias para o blog no qual sou administrador eu os escrevo diretamente no smartphone, pois com a correria do dia a dia, fica prático eu manter esse hábito, que já faz parte de minhas esquisitices, por assim dizer.

7 - Quais são seus projetos para um futuro próximo?
O que posso adiantar é que, atualmente estou no processo de criação de um novo livro. Trata-se de um romance. Para quem gosta do gênero adianto que, futuramente chegará aos leitores o meu segundo romance, embora eu particularmente não tenha no gênero o meu foco preferido entre os diferentes tipos de literatura, escrever romances é sempre enriquecedor. Aliás
produzir literatura é mergulhar em águas profundas onde sentimentos, sensações, emoções e pensamentos de todas as espécies se misturam, se harmonizam e se chocam em paradoxos fantásticos, inimagináveis. O medo convive com a diversão, que convive com a repulsa, que convive com a atração, que convive com a dor, que convive com o prazer... e assim num espiral infinito, permeado de maravilhas inenarráveis.
Se não fosse assim, eu estaria exercendo outra atividade e já teria deixado de escrever faz tempo.

Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores?
Fico muito agradecido e honrado por vocês terem dedicado um pouco do tempo de vocês para conhecer mais sobre mim. Continuem ligados no blog Lost Words, porque Aline é muito gente boa e tem um amor inesgotável pela literatura brasileira contemporânea! Sou um grande admirador de sua dedicação à literatura e de seu trabalho para disseminá-la por todos os cantos. Recebi com entusiasmo o convite para a entrevista e até agora me sinto agraciado pelo seu apoio ao meu trabalho. Sempre estarei. Não sou muito bom em agradecimentos, mas receba minha sincera gratidão e tenha sempre meu respeito. Salve nossa querida literatura brasileira. Obrigado e leiam meus livros. Abraço à todos!

Sobre o autor:

Nascido no Rio de Janeiro, lugar onde vive desde criança, Luciano Otaciano gosta de ouvir música e também de ler livros e artigos sobre vários assuntos. Além é claro de escrever. É apaixonado por automobilismo, adora carne vermelha é formado em Análises Clínicas. Pesquisador e Bioquímico. Sua primeira obra foi "Magia no Mundo da Fantasia", publicada em 2015. Após isso, no mesmo ano, publicou "Reflexões de Vida". No ano seguinte, escreveu um romance onde o drama e o suspense policial se entrelaçam numa história envolvente, "Mudanças de um Destino", e também "Histórias Loucas de um Mundo Tresloucado", em parceria com o irmão. Posteriormente vieram outros livros "Cabrita Cabaço", "Melissa", "Armadilhas do Crime", "Acontecimentos Abstratos da Teia de Aranha Moderna" e outros. Seu livro mais recente é o segundo de uma duologia, intitulado de "Os Adolescentes da Floresta de Xerém - A Extinção de Um Credo". Contos de minha autoria são encontrados no site da Amazon Brasil.


Beijos!

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