ENTREVISTA COM AUTORES #182 | Autora Cynthia Araújo

by - segunda-feira, maio 20, 2024


1 - Qual foi sua inspiração para começar a escrever?
Acho que escrevo desde que soube que podia juntar palavras e expressar sentimentos, sempre foi uma necessidade muito forte pra mim, uma técnica de sobrevivência. Sabia que escreveria um livro um dia, mas nunca comecei nenhum texto achando que realmente seria publicado. Pro "a vida afinal: conversas difíceis demais para se ter em voz alta" (ed. Paraquedas), a inspiração foi a minha mãe, que ficou muito doente em 2012, e as pessoas com câncer que entrevistei em 2018 durante a minha pesquisa de doutorado. Parecia estranho produzir um conteúdo apenas acadêmico, tão distante da realidade da maioria delas. Comecei a pensar em escrever um livro com a linguagem mais acessível possível, em que eu contasse os resultados da pesquisa de forma fácil de entender, preservando a seriedade dos dados. 

2 - Quais autores ou obras influenciaram seu estilo de escrita?
Eu acho que tudo que a gente lê influencia de alguma forma no nosso estilo, nem que seja para nos afastar daquilo que não nos interessa, na tentativa de fazer diferente. Eu sempre gostei dos livros que não eram óbvios, não mostravam nada de forma muito literal ou didática e que me faziam refletir e, talvez por isso, obras me marcam mais do que seus autores. Por exemplo, quando li Hilda Furacão e Feliz Ano Velho na adolescência fiquei bastante impactada, mas não li mais nada de Roberto Drummond ou Marcelo Rubens Paiva. Já do Machado de Assis e do Guimarães Rosa li diversos livros e contos, mas não ousaria dizer que influenciaram meu estilo de escrita, porque me acho absurdamente distante deles. Na literatura contemporânea, eu me identifico muito com a escrita da Mariana Carrara, sempre tenho sua forma de escrever em mente quando penso em ficção. 

3 - Como você lida com o bloqueio criativo?
Acontece mais de eu estar com muita coisa na cabeça e não ter tempo de escrever do que ter dificuldade para continuar um texto. Eu prefiro escrever qualquer coisa, mesmo que pareça horrível, do que ficar olhando para um papel em branco. Sempre se aproveita alguma ideia, alguma frase. 

4 - Quais desafios você enfrentou durante sua jornada como escritor(a)?
Por tratar de assuntos que as pessoas acreditam ser propriedade de médicos, eu recebi muitos olhares de desconfiança e negativas. Mesmo tendo feito uma pesquisa de doutorado sobre o assunto, era como se me faltasse autoridade e, com certeza, isso piorou por ser mulher. É como se fosse pouco natural uma mulher não-médica querer falar sobre dados em câncer e fim de vida que a maioria das pessoas não conhece. 

5 - Você já teve experiências significativas com seus leitores? Alguma história que gostaria de compartilhar?
Desde que o "a vida afinal" foi lançado, muitas pessoas entraram em contato comigo e tive trocas muito bonitas. É incrível como a literatura pode nos ajudar a elaborar melhor o que já está dentro da gente, mas muitas vezes falta nomear. Um depoimento em especial me marcou. A Wal Bittencourt (@amor.pela.literatura), uma pessoa que faz reflexões a partir de suas leituras que eu admiro muito, escreveu que foi a leitura que mais impactou sua jornada com leitora e que nunca mais pensará da mesma forma sobre a vida e a morte. É daquelas coisas que fazem valer todo o processo da escrita, por mais difícil que ele tenha sido. 

6 - Como é o seu processo de escrita? Você segue uma rotina específica?
Geralmente, alguma ideia que me parece importante surge e eu sinto necessidade de sentar para escrever, mas nem sempre tenho tempo, então anoto por alto e olho depois. A maior parte do que eu escrevo surge assim. Mas se eu estiver com tempo pra escrever e sem ideias novas, leio o que tiver escrito antes e me forço a pensar até aparecer alguma coisa. 

7 - Qual é o impacto que você espera que suas obras tenham nos leitores?
Em relação ao livro "a vida afinal", eu gostaria que as pessoas pensassem como uma oportunidade de reflexão sobre o tempo, sobre a falta de garantia de vida futura. É um livro que fala muito sobre autonomia e dignidade, mas também sobre prioridades, sobre não se perder do presente. Eu também espero encontrar eco em alguns sentimentos. Algumas pessoas me mandam mensagens dizendo que o livro as ajudou a processar melhor seu luto ou pensar mais sobre com o que gastam os seus dias ou como querem dar mais atenção a suas relações. Eu acho que a literatura tem um poder muito transformador. 

8 - Quais são seus planos para o futuro? Você está trabalhando em algum novo projeto?
Acabei de escrever meu primeiro romance, sobre um luto, em que a personagem que julgo mais interessante é uma criança de dois anos, mesma idade da minha filha. É uma história que eu escrevi rápido, mas ao mesmo tempo sinto que gestei esses personagens e o que eles pensam a minha vida inteira. 

Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores?
Ficarei torcendo para que os leitores deste espaço delicado e que me acolheu com tanto carinho encontrem o caminho de "a vida afinal". Ficarei feliz em saber as suas impressões no meu perfil pessoal @cynthia.paraujo e espero que a leitura seja tão transformadora quanto foi a escrita pra mim. 

Sobre sua(s) obra(s):


Sinopse: A partir de experiências profissionais e pessoais, e de um recorte de sua pesquisa de doutorado com pacientes com câncer metástico, Cynthia Araújo constrói uma reflexão sensível e contundente sobre o viver e o viver sob a perspectiva da morte. Como advogada da União, entre tantas atribuições, ela defendeu o Estado brasileiro em casos de fornecimento de medicamentos caros pelo SUS a pacientes com câncer. Centenas de processos e entrevistas com pacientes oncológicos depois, a autora levanta questões que interessam a cada um de nós, com câncer ou não, em A vida afinal.
Remédios que podem prolongar um pouco a vida de quem espera deles uma cura ou
décadas inteiras pela frente – um abrir mão do presente com qualidade pela expectativa de um futuro que tantas vezes não vem.
Escolheriam os mesmos tratamentos se soubessem o que realmente podem oferecer?
Neste ensaio, o olhar da autora está voltado para as percepções sobre esse tempo a mais de vida de quem está próximo do fim e para a finitude que paira no ar de cada um. Sua escuta de depoimentos no Brasil e na Alemanha a conduzem pelo tortuoso caminho dos sentimentos, das emoções e das ações de quem não tem mais tanto tempo entre os seus afetos e sonhos.
Com muito cuidado, tanto com o leitor quanto com os pacientes e seu entorno, Cynthia propõe reflexões sobre dignidade no fim da vida, autonomia sobre os limites do próprio corpo e o impacto da esperança nas decisões, especialmente a partir da comunicação médica, em conversas difíceis demais para se ter em voz alta. Não foi sem coragem, a mesma que ela encontrou nas pessoas que entrevistou, que Cynthia Araújo escreveu este livro. - Compre aqui!

Sobre o(a) autor(a):


Nascida em Petrópolis (RJ), em 1984, Cynthia Araújo se mudou para Belo Horizonte em 1997, onde mora com seu marido, Daniel, e sua filha, Beatriz, de dois anos. Formada em direito pela UFMG, ela se tornou Advogada da União na Advocacia-Geral da União dois anos depois de se formar. Mestre e doutora pela PUC-Minas, com doutorado-sanduíche na Universidade de Vechta (Alemanha), sua tese foi indicada pelo programa de pós-graduação da PUC-Minas ao prêmio Capes de Teses 2020. Desde o período das pesquisas para o doutorado, Cynthia sentia vontade de compartilhar os resultados para fora da comunidade acadêmica. Provocada por esse desejo, escreveu “a vida afinal: conversas difíceis demais para se ter em voz alta”, publicado pela editora Paraquedas em 2023, em que também conta experiência com uma doença da sua mãe. É o terceiro livro publicado a partir da pesquisa de doutorado, depois das obras "Existe direito à esperança?: saúde no contexto do câncer e fim de vida" (Lumen Juris, 2020) e "Palliative Treatment for Advanced Cancer Patients: can hope be a right?" (Springer, 2023).

Cynthia escreve desde pequena e este ano pretende publicar seu primeiro romance. Desde 2022, assina o blog Morte sem Tabu, na Folha de São Paulo, com as jornalistas Camila Appel e Jéssica Moreira. Seu primeiro livro foi a publicação de sua dissertação de mestrado, sobre o nazismo a partir de teorias jurídicas. Ela pretende retomar as pesquisas sobre o assunto em um pós-doutorado na Alemanha, com convite pendente em razão da pandemia e da sua recente maternidade.

Além de escrever, Cynthia gosta muito de cantar. Em 2022, lançou a música que compôs para sua filha quando ela tinha quatro meses. "Beatriz II", inspirada na música original de Chico Buarque e Edu Lobo, que é a responsável pelo seu nome. A convite de amigas, já cantou em casamentos e missa de sétimo dia.

Beijos!

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