ENTREVISTA COM AUTORES #261 | Autor André de Carvalho
1 - Qual foi sua inspiração para começar a escrever?
Minha primeira inspiração veio da cena punk de São Paulo, onde aprendi a ética do faça-você-mesmo. O punk me ensinou que não havia nada que eu não pudesse fazer. Ainda na adolescência, esse espírito me levou a montar bandas e escrever letras de música. A escrita literária veio depois, e minha grande inspiração foi H. G. Wells. Devorei três de seus romances em sequência e fiquei tão impactado, que tentei escrever algo no mesmo estilo. O conto "Miniaturas" nasceu desse esforço, mas foi, em princípio, uma tentativa isolada de escrever ficção. Apesar do incentivo dos amigos que fizeram leitura beta, o texto acabou esquecido na gaveta. Anos depois, em 2018, comecei a frequentar oficinas literárias e a me aprofundar nos estudos em Escrita Criativa. Ganhei técnica, ampliei meu repertório e encontrei semelhantes – pessoas que também escreviam e enfrentavam dilemas parecidos. A partir daí, comecei a levar a escrita a sério. Em 2019, "Miniaturas" veio a público, reformulado como parte do meu livro de estreia, "Complexo C".
2 - Quais autores ou obras influenciaram seu estilo de escrita?
Embora meu trabalho esteja mais associado à literatura de gênero, como leitor, tenho preferências bem variadas. Amo Kafka, Philip K. Dick e Fausto Fawcett, mas gosto de pensar que sou um escritor aberto o suficiente para ser atravessado por qualquer obra que me toque de alguma forma. Também sou muito influenciado pelo cinema, pelos quadrinhos e por outras formas de arte que me instigam a pensar e criar.
3 - Como você lida com o bloqueio criativo?
Costumo lidar com o bloqueio criativo justamente dando uma pausa na escrita. Já ouvi muitos conselhos sobre insistir mesmo quando a coisa não está fluindo, mas pra mim, forçar a barra só agrava a sensação de incapacidade, o que acaba minando a autoconfiança do autor.
Com o tempo, comecei a entender que a maioria dos bloqueios nasce de fatores extraliterários, como o esgotamento após um período intenso de escrita, ou uma simples saturação do próprio universo mental. Por isso, penso que a melhor forma de lidar com o bloqueio criativo é se afastar um pouco. Ler mais, sair mais de casa, se conectar com outros aspectos da vida. Às vezes, tudo o que a mente precisa é de uma boa arejada. As boas ideias voltam a surgir, e, com ela, a vontade de escrever.
4 - Quais desafios você enfrentou durante sua jornada como escritor(a)?
O próprio ato de escrever, o esforço de se superar frase a frase, em si já é bastante desafiador. Cada nova publicação dá aquele frio na barriga: será que o livro vai ser lido, elogiado, criticado, esquecido? Mas o maior desafio, não só do escritor, mas de toda a classe artística, é conseguir viver da sua arte. Só para se ter uma ideia, segundo a pesquisa "Mapeando a Cena Literária do RS", feita pela Nonada, 8 em cada 10 escritores tiram menos de 20% da sua renda da escrita. Ou seja, é possível ganhar algum dinheiro com literatura, agora, pagar as contas só com ela, no Brasil, é quase uma utopia. O escritor precisa conciliar uma dupla carreira com vida pessoal e ver se ainda sobra energia para continuar criando. Muitos resistem com paixão, mas, infelizmente, muita gente boa, cheia de talento, acaba ficando pelo caminho.
5 - Você já teve experiências significativas com seus leitores? Alguma história que gostaria de compartilhar?
Sim, várias. É sempre gostoso quando um completo desconhecido se conecta com o que você escreveu a ponto de te procurar para dizer o que sentiu. Adoro receber mensagens de leitores, respondo a todos com muito carinho. Já recebi retorno de gente que releu meu livro várias vezes, que disse ter ficado dias com a história na cabeça, que se tornou um de seus preferidos, e esse tipo de troca dá aquela sensação de dever cumprido, de que o livro encontrou o leitor ideal.
Ano passado, tive uma conversa por videoconferência com uma estudante de Jornalismo do Rio, que escolheu "Zona Livre" como parte do corpus bibliográfico de um TCC sobre cyberpunk. Outra história significativa foi a de uma leitora de altíssimo nível intelectual que me descobriu no Instagram, leu todos os meus livros e me enviou resenhas detalhadas por e-mail, apontando acertos e falhas que percebia na minha escrita. Esses tempos, ela me contou que fez uma apresentação sobre o meu trabalho em um evento acadêmico.
Saber que não está falando sozinho é sempre importante para o escritor.
6 - Como é o seu processo de escrita? Você segue uma rotina específica?
Gosto de escrever pelas manhãs, depois de tomar um café, com a mente ainda livre do ruído da vida. Mas não é algo que eu faça todos os dias. Nunca consegui seguir uma rotina rígida, com metas diárias. Na verdade, eu escrevo por temporadas: há períodos intensos, em que passo de 6 a 12 horas escrevendo diariamente, e outros de distanciamento, que podem durar dias ou meses.
Nas narrativas longas, que ocupam a maior parte do meu tempo como escritor, o processo de criação sempre precede o ato da escrita. Ele começa quando a ideia ainda está sendo gestada e elaborada na cabeça. Costumo partir de um conceito central ou de eventos catalisadores que despertam minha vontade de escrever. Às vezes, essa ideia está mais definida, às vezes, está mais crua e vai se revelando durante a escrita. Para não me perder, elaboro uma escaleta, uma espécie de resumo da história com começo, meio e fim. A partir daí, escrevo uma primeira versão, de forma bem livre e até caótica, sem muita preocupação estética. Depois é que vem a parte mais divertida, um processo de contínuas releituras, em que reescrevo, corto excessos, expando cenas, altero eventos, cuido o ritmo, a fluidez, o estilo da prosa, e me aprofundo no universo e nas personagens, à maneira de Flaubert. O texto vai crescendo a cada nova leitura, até que chega uma hora em que é preciso desapegar e soltar pro mundo, para não acabar como um Sísifo, condenado a revisar o mesmo texto infinitamente.
7 - Qual é o impacto que você espera que suas obras tenham nos leitores?
Gosto de equilibrar humor e comentário social nos meus textos. Por isso, espero que minhas histórias, além de divertir, instiguem o leitor a refletir sobre questões que dizem respeito à sua própria existência em sociedade.
8 - Quais são seus planos para o futuro? Você está trabalhando em algum novo projeto?
Meu maior plano é continuar resistindo a esse sistema que gosta de esmagar artistas. Estou com um novo livro de ficção científica pronto para ser publicado. Em breve, revelo o título. Também estou começando a escrever um romance de horror e desenvolvendo, em parceria com outro artista, uma HQ ambientada numa Porto Alegre distópica.
Gostaria de deixar algum recado para os leitores do Lost Words, e para seus futuros leitores?
Agradeço a atenção dos leitores do Lost Words e convido vocês a conhecerem "Zona Livre", minha novela cyberpunk publicada pela editora Pipoca & Nanquim, vencedora do Prêmio Geek de Literatura da Amazon. Espero que curtam a viagem!
Me acompanhem no Instagram @androdca, que logo tem livro novo chegando.
Sobre sua(s) obra(s):
Sinopse: As oito narrativas breves presentes em Complexo C prestam homenagem à literatura pulp e às narrativas distópicas. Numa metrópole subordinada às leis de uma burocracia kafkiana, indivíduos na iminência do fracasso buscam melhorar suas condições de vida. Sem abrir mão do sarcasmo, André de Carvalho convida o leitor a vivenciar uma realidade nefasta, onde a indiferença está enredada com o pragmatismo do cotidiano e a obtenção de prazeres terrenos. - Compre aqui!
Sinopse: Em Nada é quanto basta, a mirada analítica do poeta registra as remelas das horas, o joelho ralado da vida, os cativeiros vários em que nos metemos, na espuma dos dias. Formalmente múltiplo, o livro se lança também nos poemas visuais. Apresentados alternados, criam um interessante diálogo na dupla de páginas, que costuram novos sentidos aos versos à direita e à esquerda – um dos convites de leitura possíveis dessa estruturação. O grafismo de traço direto e reto entrega um humor semelhante, muito franco – às vezes ácido, ora agridoce, repetidamente sagaz. Qualidades que aparecem também nos brevíssimos poemas mais narrativos. Sem humor não se escreve versos verdadeiramente sérios, ensina um verso de W.H. Auden, que cabe muito bem neste Nada é quanto basta. Entregar o riso e o pranto, de tantos tipos, eis o que (também, também) faz, muito bem, o poema. - Compre aqui!
Sinopse: Zona Livre conta a história de um entregador de aplicativo chamado Filipe, que utiliza uma prancha voadora como meio de transporte. Ao se envolver numa briga de trânsito, ele é filmado, sem se dar conta, por um usuário do neurolink, dispositivo que, uma vez plugado na cabeça, conecta o cérebro com a internet e transforma os olhos em uma espécie de câmera. Quando o vídeo do incidente viraliza nas redes, Filipe perde o emprego e vira meme na web. O que é o neurolink, afinal? A tecnologia dos sonhos? Uma ameaça à liberdade das pessoas? Filipe começa a pesquisar mais a fundo sobre a fabricante do dispositivo, mas o poderoso CEO da empresa não gosta nada de saber que há alguém disposto a ir tão longe para descobrir seus segredos. - Compre aqui!
Sobre o(a) autor(a):
André de Carvalho é escritor e músico. Nasceu em São Paulo e vive em Porto Alegre. Autor de Complexo C (2019) e Nada é quanto basta (2020), ambos publicados pela editora Bestiário, e de Zona Livre (2023), lançado pela Pipoca & Nanquim e vencedor do Prêmio Geek de Literatura da Amazon Brasil. Tem contos, poemas e ensaios publicados em diversas antologias. Atualmente, cursa o doutorado em Letras na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e é vocalista da banda Idade da Desordem.
Beijos!
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